quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Fuga


Saí pela porta do fundo, tropeçando no salto alto e caindo em esperanças sem fundo. Mais que mania de esperar o tempo, aguardando a verdade do relógio batendo em nossos rostos, risco de sombra em nossos cílios.

Preferi a sarjeta aquelas pessoas aprisionadas, carcomidas por dentro e louvando um deus sem rosto. Eu não queria ser aprisionada dentro de mim mesma, por isso fugi, bem na hora dos fogos, do estouro. Prendi-me muito, remando contra a maré, tolhi o exterior, enquanto que meu interior não podia encenar felicidade absurda expressa por fora.

Ademais, cansei da invasão alheia em meu território. Nunca fui de levantar bandeiras, não posso servir de haste para bandeiras alheias. E andei tão cansada de ter minha cama desarrumada, minhas gavetas mexidas, meu banheiro sem porta fechada, minha vida estendida num varal, que nem literatura de cordel.
Não espero nada do novo ano, a muito deixei de esperar e corro como louca atrás da realidade. Não espero nem ônibus. Esperar é fantasmagórico, é assustador, é alucinante demais. A gente se promete muita coisa nessas horas, anota tudo em caderninho, que nem adolescente, depois esquece, guarda-os em baús da memória, ou numa caixa empoeirada qualquer, sem fundo. Não espero, mas mantenho a esperança, faísca que rebrilha no brilho dos olhos.

Como aprendi com Caio, vou desamarrar minhas asas, tirar o pó, e batê-las em retirada, em revoada pra outro lugar, outro tempoespaço. E tenho coragem pra enfrentar a viagem. Com meu pé direito alto, grande e esperançoso, vou fugir pra levar flores pro mar, saudando marabô caiala.





sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

"Hoje eu escolhi passar o dia cantando"


Com duas doses de Drummond:

“o último dia do ano
Não é o último dia do tempo
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo
Recebe com simplicidade esse presente do acaso
Mereceste viver mais um ano”

“Para ganhar um ano novo
Que mereça esse nome,
Você, meu caro, tem de merecê-lo
Tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil
Mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
Cochila e espera desde sempre”


Imersa em tanto mar:

MMXI
líria porto

número romano - abro excessão
escrevo as maiúsculas 
saúdo o vind_ouro
e o ano
          que acaba
:
um brinde à beleza ao amor
ao riso à amizade
                             à poesia         

(ao tantim de sacanagem
que ninguém é de ferro)

                            
*

Adentrando a porta das novidades sempre:

Vai, ano velho
Affonso Romano de Sant'Anna

Vai, ano velho, vai de vez,
vai com tuas dívidas
e dúvidas, vai, dobra a ex-
quina da sorte, e no trinta e um,
à meia-noite, esgota o copo
e a culpa do que nem me lembro
e me cravou entre janeiro e dezembro.

Vai, leva tudo: destroços,
ossos, fotos de presidentes,
beijos de atrizes, enchentes,
secas, suspiros, jornais.
Vade retrum, pra trás,
leva pra escuridão
quem me assaltou o carro,
a casa e o coração.
Não quero te ver mais,
só daqui a anos, nos anais,
nas fotos do nunca-mais.

Vem, Ano Novo, vem veloz,
vem em quadrigas, aladas, antigas
ou jatos de luz moderna, vem,
paira, desce, habita em nós,
vem com cavalhadas, folias, reisados,
fitas multicores, rebecas,
vem com uva e mel e desperta
em nossso corpo a alegria,
escancara a alma, a poesia,
e, por um instante, estanca
o verso real, perverso,
e sacia em nós a fome
- de utopia.

Vem na areia da ampulheta com a
semente que contivesse outra se-
mente que contivesse ou-
tra semente ou pérola
na casca da ostra
como se
se
outra se-
mente pudesse
nascer do corpo e mente
ou do umbigo da gente como o ovo
o Sol a gema do Ano Novo que rompesse
a placenta da noite em viva flor luminescente.

Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
Entre flores de urânio
é permitido sonhar.
[http://leaoramos.blogspot.com/]

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

gota de chuva em vidro de janela

Chuva fria pra amenizar dia morno. Parece que ao falar de meu amor por ele todo o amor se esvai das palavras, escorrem como a tal chuva em vidro de janela. Fecho os olhos sempre nessas horas, imagino que quando abri-los tudo vai ter melhorado, refeito-se  em apenas um fechar de olhos, lúgubres e inocentes.

Falta a esses meus olhos lágrimas. Não vêm as lágrimas, também não vem o milagre. Escondo-me em baixo do chuveiro pra fazer chover, metaforizando lágrimas e gotas em vidros de janela. Mas não há metáfora pra milagre, nem sabonete de sal grosso pode lavar, nem a ansiedade dos olhos fechados pode mudar. Só me resta o suspiro profundo do algo perdido, o suspiro do gota a gota, respiração pesada e descompassada

E não brotam as palavras.









Leiam Olhos nus: olhos, de Mia Couto.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

dezembros


Meus dezembros vão se completando. Vai dezembro vem dezembro e, como tradição, tenho a repetição de cenas dramáticas.

Não falo de nascimento de cristo na manjedoura, mas sim dos atos disparatados de fim de ano resultados do medo de não ter vivido o bastante que fosse. O intuito é fazer tudo que não fiz o ano inteiro em trinta e um dias dramáticos, pois que se encena o fim da vida no fim do ano.

Perdida em sítios desesperados, tudo que é errado fiz em dias claros de dezembro bem acordada, e, por mais que parecessem sonhos, nunca me escondi em notívagas desculpas insones. Minhas noites, guardo-as pro sono de Cleópatra, sono dos injustos e injustiçados. Os que fizeram dos dias rodas vivas de não viver, fizeram do ano um amontoado de dias sem marcação no calendário, transplantaram morte em vida, abandonaram o que nem começaram.

E há o balanço, a comparação, o que fiz de melhor, ou pior, ou o que não muda nunca...

Sigo nos dezembros, quebrando o coração, ou entregando o corpo sem ele, última tentativa de salvá-lo.







lista de desejos para 2011:

“Quero pão novo
Pouca conversa
Uma casa aberta
Um ótimo vinho
Flores do campo
Banho quentinho
Uma sobremesa
Um atrevimento
Dedicação
Muito carinho
Derretimentos
Pra compensar”

(trecho da canção Moro longe, de Vanessa da mata)

sábado, 4 de dezembro de 2010

Banho de piscina


"E eu lá sou mosquito da dengue
Pra divertir em água parada
Goste é de água corrente
Correndo por este meu corpo
Que não te pertence."

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Para Juan de Marco


“Quantas você tem
Quantas você faz sofrer
Seduzindo o mundo
Quantas ficam ao seu bel prazer”

(trecho da canção Vá, de Vanessa da Mata e Lokua Kanza)

Falam-me, quando viver sozinho e satisfeito, então, estarei pronto para viver bem ao lado de alguém.

Não concordo.

Se vivo bem só, para quê vou querer mais alguém?

Para atrapalhar meu romance comigo mesmo?

Acredito que quando aprender a viver sozinho e satisfeito não ousarei precisar de mais ninguém pra viver bem.

Por isso o medo de acostumar-me sozinho.






Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo...
Isto é carência!

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência
de entes queridos que não podem mais voltar...
Isto é saudade!

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe,
às vezes para realinhar os pensamentos...
Isto é equilíbrio!

Solidão não é o claustro involuntário que o destino
nos impõe compulsoriamente...
Isto é um princípio da natureza!

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
Isto é circunstância!

Solidão é muito mais do que isto...

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
e procuramos em vão pela nossa alma.

Chico Buarque