domingo, 30 de maio de 2010

Ballet


Dentro de mim vive uma menina.

Dá piruetas e rodopia, pisa o caminho em sapatilhas de ponta; leve força de Bailarina.

Uma menina, face esbarrada no espelho. Faz changement: vira mulher de gesto alheio. Plié grand plié, chasse: uma senhora perdida no caminho e nas horas.

No espelho da barra não me vejo a mim nem me vejo a ela, sonhadora Cinderela, corpo alinhado, pés apertados.

Delicada, leve, desenhada no ar, não se vê a força escondida no olhar.

Não há sacrifícios, apenas ofício, sina: dá piruetas e rodopia, pisa o caminho em sapatilhas de ponta; leve força de Bailarina.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Esfinge II

“Só tem eu e esse branco que me mostra o que eu não sei”





A hora não passa, o tempo pirraça. Além das figuras a imagem, além do ser a miragem, perdi-me em figuras de linguagem. A pele branca do papel, o branco do papel na pele. A mão não acompanha o nascimento do pensamento, palavras mortas por atropelamento. Ininteligíveis suspiros, cabeça em giros. Tudo resumido em assonâncias, tudo relembrado em ressonâncias. E essa espinha de peixe entalada na minha garganta...




imagem deCorand Roset

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ressonâncias

Essa noite não tive sono de dormir, tive sono de sonhar. Acordei de manhã como se nada tivesse adormecido, com olhos gastos de quem vigília de quem reza de quem ama. Ando gastando meu sono em sonhos. Onde ando gastando minhas horas? Lembrando de cabelos cortados ao acaso, mudando os olhos de cor sem sentir, passando de pensamento em pensamento por solidão, brincando de seduzir.

Conrad Roset






dono dos meus olhos e olheiras
com quem gasto minhas horas de sono e de pensar
o pesar dos meus sentidos vive a ti buscar em sono ou sonho
noite de luar
dono dos meus olhos cor de âmbar
arroxeados só de sonhar
carrego em mim a sede de te recordar e reinventar

quarta-feira, 12 de maio de 2010

“Me desprendi desse corpo que já nem era mesmo meu”

Dormência. Palavra insensível e caleidoscópica colada numa pele triste e sonâmbula.
Na verdade não sinto. Vejo movimentos de braços abraços e mãos em meu corpo mas ele não me pertence.

Sou impressionável; sempre pensei em quanto nosso corpo não é nosso, quando não queremos envelhecer e envelhecemos, quando não queremos adoecer e adoecemos. Ferreira Gullar um dia me provou a verdade do fato: teu corpo muda/ independente de ti. Nunca mais esqueci. E decidi não mais ser dona desse lar de alma. Só a alma me pertenceria.

Sou impressionável; meu corpo deixou de ser meu definitivamente. Nada me toca, não sinto nada. Como uma ferida de lepra. Insensível. Falta ânimo, anima, alma.
O corpo tornou-se um templo vazio sem seu morador. Enquanto durmo, ele vaga em algum Hades corpóreo, a alma fica, inane e desabrigada, como se houvesse um erro na criação, na fôrma e na forma.

Ferreila Gullar provou, mas não abrigou a alma que vagou e desprendeu-se do corpo.

Imagem por Conrad Roset




Teu corpo, Ferreira Gullar

O teu corpo muda
independente de ti.
Não te pergunta
se deve engordar.

É um ser estranho
que tem teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteias-lhe os cabelos
como se fossem teus.

Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nasceste e sem ele
não és?
Ao que tudo indica
tu és esse corpo
– que a cada dia
mais difere de ti.

E até já tens medo
de olhar no espelho:
lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.

E a erupção
que te surge no queixo?
Vai sumir? alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?

Tocas o joelho:
tu és esse osso.
Olhas a mão:
tu és essa mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.
Quem se senta és tu,
quem se move (leva
o cigarro à boca,
traga, bate a cinza)
és tu.
Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo – morre –
quem diz a ele – envelhece –
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?

sábado, 1 de maio de 2010

Abril despetalado


Fim de tarde e mãos dadas.
Acho uma das coisas mais belas do universo um olhar de cumplicidade apaixonada. Mas não tenho estômago para ânsias e ausências, solidão de quem ama.

Não suporto um milésimo de segundo, sou fraca para sofrimento, acho sofrer perda de tempo. Prefiro voar, me arriscar na insegurança do ar, me jogar para o que será.

Não há mérito nesse meu jeito feio de amar apenas um desalento distraído e descuidado, imaturo e inseguro desse abril despetalado; mês de dragão. Deixo-me sempre ir, evaporar, sumir. Não volúvel, volátil.

Desfaço-me fácil.