segunda-feira, 29 de novembro de 2010


Ás vezes pergunto-me se a palavra precipitar vem de precipício; verbo criado para a ação de atirar-se do substantivo?

O que nunca compreendi é a carga negativa que carrega o verbo, despencando junto para o lugar profundo do substantivo nomeado. E o adjetivo, você foi precipitado, encontra seus iguais nos apressados, imprudentes, intempestivos.

Eu me precipitei carrega em si a voz de quem perdeu, atirou-se sem pensar, quem correu antes da largada e não chegou a nenhum lugar.

Há no dicionário, porém, uma significação mais do que poética para o verbo, talvez apaixonada: Condensar-se e cair como chuva ou neve.

Além do precipício eu vejo uma coisa boa, vejo a ação e interpreto a decisão, o que desembocará na transformação. Sei que não faz mal correr na contra mão.

Prefiro do precipitar a chuva fina que teima em não calar.


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

uma carta


Tive minha vida inteira resumida em acasos e coincidências. Entendi isso lendo diários antigos, páginas amarelecidas de passado, nas quais agora vejo só literatura, contos e romances entrelaçados, Proteu se materializando na sua imaterialidade dúbia.

Como quando seus olhos viram os meus. Seu coração saltou para indicar que era eu. Mas não tão alto para que meus olhos pudessem vê-lo, nem que pudesse senti-lo cair em cima de mim como chuva em tempo de estiagem, dádiva do céu.

Meus olhos viram os seus, mas meu coração não saltou como o seu. A chuva não molhou meu árido deserto, terra de ninguém habitar. Porém pude enxergar nos seus olhos tremeluzentes um oásis límpido e azul de esperança, e nele refleti tudo que desejava, refleti o que esperava na sua esperança. E você se acendeu aos meus olhos.

Desgostando do tempo, a esperança deixou de esperar. Meu deserto não floriu, continuou inabitado. Todo deserto parece ter um traço destrutivo sem dromedário que o dome. Perdeu-se o espontâneo do amor, tornou-se vício, preenchimento de espaços vazios.

Ainda lembro sua mão atada a minha e sua voz dizendo “sou seu”. Você permanece aceso aos meus olhos, mas agora me enxergando com olhar distante, não me vendo no presente e sim no passado, como recordação que não faz saltar o coração. Por isso, seu, prefiro não mais te olhar, não mais te enxergar.

Tenho um coração ecoando como cômodo vazio, inteiro, lotado de espaços, e tê-lo inteiro nessas horas dói mais do que tê-lo em pedaços. Inteiro pesa mais, ocupa espaço sem tamanho em nosso peito, deixa um inchaço de sentimento acumulado.

E quando penso nos acasos sei que em meu corpo ainda falta um pedaço...


terça-feira, 2 de novembro de 2010



Esta noite sonhei com mar, calmo e coroado de areia fininha. Sinônimo de prosperidade, do porvir feliz. Mas no meu sonho eu não estava feliz, andava de um lado a outro, buscando alguma certificação, algum assombro, alguma certeza.
Nunca acreditei em sonhos, não lembrá-los com freqüência poderia ser um dos motivos. Meu esquecimento é instantâneo, basta abrir os olhos pro mundo real e tudo se esvai; meus sonhos se desfazem como nuvem rala.
No mesmo sonho estava você, feliz no sonho como não é na vida real. Mas não ao meu lado. Vi você de longe, enquanto buscava alguma coisa pra sentir; vi você feliz ao lado do seu amor, como nunca foi ao meu.
Eu permaneci no mar próspero, catando na areia pedrinhas brancas de sucesso. O sal do mar misturado ao sal de lágrimas. Querendo estar no silêncio da sua casa, no aconchego do seu abraço.
Será que mar e amar não podem se encontrar?











Tema e variações, Manuel Bandeira
Sonhei ter sonhado
Que havia sonhado.

Em sonho lembrei-me
De um sonho passado:
O de ter sonhado
Que estava sonhando.

Sonhei ter sonhado...
Ter sonhado o quê?
Que havia sonhado
Estar com você.
Estar? Ter estado,
Que é tempo passado.

Um sonho presente
Um dia sonhei.
Chorei de repente,
Pois vi, despertado,
Que tinha sonhado.