quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Li e gostei

Arte de perder, Elizabeth Bishop

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.



Pra corroborar Lya Luft em seu sistema de perder/ganhar:

Com as perdas só há um jeito:

perdê-las.

Com os ganhos,

o proveito é saborear cada um

como uma fruta boa da estação.


E Sophia em Portugal, a quem as mãos nunca estão vazias:

apesar das ruínas e da morte,
onde sempre acabou cada ilusão,
a força dos meus sonhos é tão forte,
que de tudo renasce exaltação
e nunca as minhas mãos ficam vazias


ou ainda Drummond, voz masculina e brasileira, de quem sabe o peso da memória:

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010


Eu gostava de me entregar e ele gostava de me receber.

Mas, atordoada, pensando uma coisa, sentindo outra, acabei fazendo nada. Acabei paralisada. Como numa fotografia, capturada em movimento. Borrada. Meu orgulho falou alto, gritou,para que não ouvissem que uma voz mais doce e mansa desejava ser ouvida, e, mais do que isso, obedecida.







"e te peço,

me perdoa,

me desculpa que eu não fui sua namorada

pois fiquei atordoada [de amor]

faltou o ar

faltou o ar..."


Assinado eu - Tiê

segunda-feira, 6 de setembro de 2010


E até dia pro sexo criaram. Coisa de gente tarada que não pratica o ano inteiro e inventa motivo pra fazer. Não costumo ser tarada, mas sempre fui danada, apimentada, o que parece ter tatuado “SEXO” na minha testa, ou tenho espalhado muito feromônio pelo espaço.

O fato é que há pessoas que transam sem ter transado. Minha cara de danada nunca me deixou mentir, na verdade nunca me deixou ser outra coisa, como se eu tivesse obrigação de ser o que meu corpo é, o que meu rosto diz.

Eu não aceito. Não aceito ser o que pareço porque é como morder a isca, seguir a risca o que imaginaram de mim e para mim. E eu sou arrisca. Até nisso.

Meu rosto e meu corpo não são o que eu sou. Eu não digo o que mostro. Pelo menos não assumo, e sumo sempre que me chamam para o que sou de verdade.

Para os que não me entendem: sou um café muito quente. Assoprado. Sou só fama, não sou proveito. Não sou água de matar sede. Não quero que vejam minha ferida pré-histórica mal curada, ainda sangrando, quando tirar a roupa, por isso permaneço vestida.

Mas no final tudo é questão de aceitar-se despida...

domingo, 5 de setembro de 2010

Duas mulheres refletidas num espelho embaçado, se olham por curiosidade, unem-se por diferenças que as fazem parecidas: uma reflete fora o que tem dentro da outra, que é por dentro o que uma é por fora. E se o olhar de uma mulher pode fazer pouco até de Deus, não pode enganar uma outra mulher, por isso elas se conhecem por reflexos.

Uma mulher forte e uma menina frágil não se equiparam em nada, são a mesma coisa só que inversa, convexa. Uma mulher forte pode ser quebrável; uma menina frágil pode ser durável. Depende do ponto de vista e da velocidade da flecha, se acerta.

“Quando te conheci pensei que fosse mais forte, não vi tuas feridas abertas. Não enxerguei que teu jeito seco era uma forma de esconder teu medo e tua dor. Mas quem anda com a ferida aberta, à mostra, é mais forte do quê quem a esconde, pois quem esconde nunca para de sentir, apenas torna-a invisível aos outros.”

“Quando te vi chorar pensei que era fraca flor despetalada em bem-me-queres, ou que abrisse a barragem que há muito se fechara, mas não que fosse triste ou dolorosa sua vida, só não agüentava o momento, só precisava de alento, vi que não tinha tanta coisa vivida, tão pequena e tão ingênua, trocando pé em mãos, indo pelo caminho errado do coração.”

“Eu não posso te ajudar.”

“Eu não posso te curar.”

Restou-lhes apenas (e de mais) o olhar.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Agosto


Continuo na bagunça. Mas há dias não ouço lamento, nem batuque de sincopado coração. Há dias não leio Drummond e abandonei os desiludidos do amor. E “seu gosto é bem do jeito que eu gosto” já não me diz tanto mais além de poética rima com agosto.

Mas há dias tenho me mirado como Narciso e enxergado também o que ele viu, não o que o matou. Refletido em águas de rio ou espelho: encontro. Encontro é o que se persegue ouvindo lamento, lendo Drummond, organizando a bagunça. Mas encontro é o que se encontra quando não há procura. Quando se pressiona o botão stop e se enterra os desiludidos que seguirão iludidos.

Encontro foi o que procurei no agosto passado e esbarrei nesse agora, feito promessa de deuses cumprida à longo prazo, felicidade de primavera antecipada, ou de verão atrasada. Encontro do quê com o quê? Não sei dizer. Mas também não importa, pois há momentos que nomear não nomeia suficiente e ficam-se só as palavras ecoando desencontradas, tortas. E o que importa é o encontro sem hora marcada.



[misturei Céu com Drummond, pois ouçam Mais um lamento e leiam Necrológio dos desiludidos do amor]