quarta-feira, 24 de novembro de 2010

uma carta


Tive minha vida inteira resumida em acasos e coincidências. Entendi isso lendo diários antigos, páginas amarelecidas de passado, nas quais agora vejo só literatura, contos e romances entrelaçados, Proteu se materializando na sua imaterialidade dúbia.

Como quando seus olhos viram os meus. Seu coração saltou para indicar que era eu. Mas não tão alto para que meus olhos pudessem vê-lo, nem que pudesse senti-lo cair em cima de mim como chuva em tempo de estiagem, dádiva do céu.

Meus olhos viram os seus, mas meu coração não saltou como o seu. A chuva não molhou meu árido deserto, terra de ninguém habitar. Porém pude enxergar nos seus olhos tremeluzentes um oásis límpido e azul de esperança, e nele refleti tudo que desejava, refleti o que esperava na sua esperança. E você se acendeu aos meus olhos.

Desgostando do tempo, a esperança deixou de esperar. Meu deserto não floriu, continuou inabitado. Todo deserto parece ter um traço destrutivo sem dromedário que o dome. Perdeu-se o espontâneo do amor, tornou-se vício, preenchimento de espaços vazios.

Ainda lembro sua mão atada a minha e sua voz dizendo “sou seu”. Você permanece aceso aos meus olhos, mas agora me enxergando com olhar distante, não me vendo no presente e sim no passado, como recordação que não faz saltar o coração. Por isso, seu, prefiro não mais te olhar, não mais te enxergar.

Tenho um coração ecoando como cômodo vazio, inteiro, lotado de espaços, e tê-lo inteiro nessas horas dói mais do que tê-lo em pedaços. Inteiro pesa mais, ocupa espaço sem tamanho em nosso peito, deixa um inchaço de sentimento acumulado.

E quando penso nos acasos sei que em meu corpo ainda falta um pedaço...


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