Enquanto os cabelos secavam ao natural sentiu frio no corpo, frio na alma. Sentir frio não é das melhores sensações que um corpo possa sentir. Nem uma pobre alma. Galgou os pés descalços em chão frio e sentiu inteira um arrepio ruim, porém de uma necessidade de morte, pois morrer também é necessário. Às vezes.
Lembrou de Elis dizendo que Os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele e pensou em seu próprio coração, cravado fundo no peito e calado. Lembrava que possuía um quando sentia o arrepio fundo pedindo um pouco de calor, ou um pedaço de cobertor que o valesse, que o aquecesse.
Naufragado como um barco sem vela, encalhado como um navio sem rumo, a última vez que o sentiu não soube se era o seu mesmo que funcionava como um relógio antigo de parede ou se era o dele, tão próximos estavam.
Nunca soube separar o que sentia do que ele sentia. Não havia troca, apenas acompanhamento. Ela obedecia ao que ditava o coração dele, seu coração seguia à risca o outro coração. Por isso não separava os batimentos. Eram os mesmos que cronometravam o fogo e metrificavam o gelo.
Mas corações diferentes não podem bater iguais por muito tempo. A fogueira ou a geleira não são as mesmas. A intensidade do fogo de um pode não ser suficiente para derreter o gelo do outro. E o gelo do outro pode ser por demais intenso e apagar o fogo de um. É o momento em que desejam amar sem cronômetros ou métricas e ter-se apenas os batimentos como marcadores. Se o coração bate ululante ou recusa-se a dar voz.
Sentiu mais alguns arrepios e frio na barriga, enquanto ainda secavam os cabelos. Lembrou-se então que era inverno. E foi fechar a janela aberta.
As aparências enganam/Elis Regina
Composição: Sérgio Natureza/Tunai
O coração procura pelo que é quente abraços
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