
Não se vai a praia em dias de chuva, diz o senso comum.
Eu vou; encontrar o estranho que me quer...
Dias de chuva são os melhores para se ir a praia. Dias de mar bravo, vento insolente, areia sorrateira.
Praia com chuva é Iemanjá pedindo que nos lavemos antes de entrar no mar, por favor. Purificação primária. É como tomar um banho duplo, de cima a baixo.
Mas falta o sol, dizem.
Não falta nada.
Tem-se o mar e a chuva, eu e o estranho. Sem a presença do sol, inimigo dos amantes, tudo fica melhor. Sente-se como único calor o outro corpo, o nosso corpo, calor que arde sem se ver e que vai contra a meteorologia, impõe-se às águas da chuva e às águas do mar.
Deixa a cinza do verão ir embora.
Deixa a cinza do teu corpo partir.
As bocas continuam salgadas de maresia.
A chuva não tira o gosto quente de sal da tua boca.
Apaga os rabiscos na areia para tatuar realidades em ti.
Poema inédito da Martha Medeiros:
meu caro estranho, nossa estranheza nos levou à cama
e seguimos nos desconhecendo
não perguntei de onde vieram tuas cicatrizes
e não me perguntaste se eu já havia usado o cabelo mais curto
simplesmente nos beijamos e dispensamos todos os porquês
fui uma mulher qualquer e fostes mais um homem
e se esse descompromisso não merece ser chamado de amor
ainda assim não carece ser desfeito e esquecido
meu caro estranho,
mesmo nos amores não há nada muito além disso